De repente a gente deu pra ficar ferrado

Tem horas que a gente briga com faca, parece que todo dia é 1º de abril.
Tudo poderia ser uma grande mentira! Na verdade, tudo não passa de uma longa mentira, que não para de ser contada repetidas vezes, se multiplicando entre os nossos inimigos e os amigos mais comuns. Daí, toda mentira parece verdade. De todas as coisas que a gente conta, sempre alguma fica pra traz, aquela que a vergonha impede de sair pela boca, daí a gente mastiga ela feito vaca no pasto e as vezes acorda de madrugada querendo vomitar.
Já deu vontade de sair por aí pixando muro, esvaziando piscinas infantis, lutando contra toda esta trovoada que mora na minha janela desde, sei lá quanto tempo atrás. Porém, espalhar por aí meu desespero incontido, é colocar na boca dos leões minha carne sangrando, o peito rasgado, cansado! De repente a gente deu pra ser totalmente errado! 

Coisa de gente besta, que tem fé em santo criado só pra fazer cenário sobre a mesa de centro da sala. Se pensar por este lado, é justo estar tão ferrado, pela ignorância e estúpida bondade. Mas se pensar pelo que realmente é certo, somos bons demais pra estarmos tão ferrados.
Não ando resmungando pelo corredor da casa, não tenho paciência pra ficar respondendo o tempo todo porque tanto silêncio, se do nada eu vou soltar um berro e arrebentar o portão quando sair, quebrando mais uma chave. Ele pergunta se quero trancar alguma coisa lá dentro, eu queria trancar na verdade tudo pro lado de fora, mas finjo que não.

Nós dois tínhamos o dom de conseguir entender facilmente um ao outro, eu conseguia ficar de bom humor o dia todo e muito mais, alias, coisas imprevisíveis e imagináveis. Agora, nosso dom é estarmos ferrados. Fazendo de conta que uma embriaguez instantânea e permanente não nos permita abalar. Ele imita o leão, eu imito o dragão, sem São Jorge. Que bobagem!

Quando aparecer, esquece de me perguntar qualquer coisa porque eu ando sem respostas longas e que façam algum sentido, espreme um limão no copo, coloca gelo e uma bebida de arder, e vamos brindar a nossa falta de sorte!